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A cor retinta da Carolina, ou como neste Douro há uma princesa entre Barões

carolina

 

Após um interregno, primeiro forçado e depois merecido, regresso hoje a este blog, como quem pega na sua guitarra amada e esquecida, e experimenta novamente, com mão trémula, uns quantos acordes e dúzia e meia de dedilhados. Descobre-a, como sempre, sedutora e bela, mas mudadas as mãos que a tocam. Assim me sinto hoje, ao escrever este texto. Em verdade, já estava prometido há muito, mas só agora se conjugaram os astros em alinhamento propício. A razão perceberão daqui a pouco, direi por agora que é uma questão de verticalidade.

Findo o preâmbulo artístico, vamos a outro, que parece que lhe tomo novamente o gosto, e a inspiração para o rodeio não se pode desperdiçar.

A Quinta da Carolina fica situada no Douro, na região do cima Corgo, e pertence à família Cândido da Silva,  que é como quem  diz, trocando por miúdos, que pertence aos donos da Garrafeira Tio Pepe, onde vou sendo cliente habitual. Desta quinta nasceram três tintos: o Quinta da Carolina, o Carolina e o Cândido, e ainda um branco, o Carolina, cujas uvas provêm de outras quintas, que nesta só há castas tintas. Embora a Quinta exista há vários anos, trata-se de um projecto que recentemente ganhou novo fôlego, mas que mantém um carácter quase “de garagem” (mas não, digo-o veementemente, amador) pelas pequenas quantidades produzidas. Este facto faz com que, à semelhança de vários produtores nacionais, estes vinhos sejam desconhecidos para a maioria de vós.

E é por isso que hoje vos trago, desta Quinta, o meu vinho preferido: o Carolina tinto. Produzido a partir da mistura habitual de Tintas e Tourigas que graça por estas zonas do Douro, tive por estes dias oportunidade de provar a colheita de 2012, que sairá brevemente.

Mas comecemos pelo de 2010, que é, a bem dizer, a razão de ser deste post. Envelhecido em barricas de segundo ano, continua a ser um dos meus tintos preferidos do Douro, por uma razão principal, que é o facto de marcar pela diferença. É que os vinhos desta zona, nesta faixa de preços (abaixo dos 10 euros), são geralmente marcados por fruta vermelha muito redonda e bem trabalhada, mas algo “curtos” e sem acidez, num perfil que começa já a cansar, de tão previsível se torna a repetição da fórmula. Ora, ao contrário da norma, este Carolina 2010 é um vinho elegante e contido, que marca por uma acidez muito fina e equilibrada, daquelas que nos levam a pegar uma e outra vez no copo para tentar decifrar algo mais que julgamos ainda não perceber. Honesto, inteligente, cirúrgico, parece feito sem esforço. Embora não seja, como decerto saberão, adepto de casamentos formatados entre vinho e gastronomia, assentam-lhe bem carnes brancas, menos temperadas. E é provavelmente por esta diferença que, da última vez, comprei uma caixa dele, antes que esgotasse, e que dou comigo a pensar várias vezes em abrir novamente uma garrafa. E, no fim de contas, é isto que faz um grande vinho, a vontade de voltar.

Foi, por isso, com grande expectativa que me lancei na prova do Carolina 2012. Desta vez, no lote final, entraram 3 barricas que seriam inicialmente para o Quinta da Carolina, e por isso aumentou a percentagem de madeira nova. Seria expectável, por isso, uma mudança de perfil. Não gostei. Está “verde”, a meu ver não deveria ser lançado senão em 2015, mas o mercado tem destes caprichos. Mas, como coisas destas vão sendo cada vez mais norma e não excepção nos dias que correm, deixei a garrafa aberta e voltei à carga dois dias depois. Estava fabuloso, mas diferente. E, embora tenha mudado o perfil, do qual pessoalmente era fã confesso, gostei da mudança. É, agora, um vinho mais denso, mais frutado, com fruta preta mas não compotada, mantendo a acidez bem aguerrida e desafiadora. O perfil fez-me lembrar mais os vinhos do Douro superior, talvez Meandro do Vale Meão. Sendo este uma das minhas referências no Douro, a comparação é lisonjeira e mais do que merecida.

Recomendo, sem dúvida, o 2010 para quem ainda o encontrar (ou cá vier jantar a casa) e o de 2012 para quem não se importar de o guardar dois anos lá por casa. Nessa altura, facilmente valerá o dobro do que custa agora, e descobrirão um grande vinho. Bebê-lo agora é desperdício e infanticídio atroz.

E assim chegamos ao fim da história desta Carolina, uma princesa que cresce devagar mas segura por entre os grandes Barões do Douro. O resto deixo à vossa imaginação.

 

Fernando Correia, Blog porto do vinho.

 

http://portodovinho.wordpress.com/2014/05/13/a-cor-retinta-da-carolina-ou-como-neste-douro-ha-uma-princesa-entre-baroes/